#12 “debí tirar más fotos” é mais político do que você pensa
o bad bunny lançou o álbum do ano e estamos apenas em janeiro.
eu sou uma fã convicta do bad bunny desde seu último projeto (un verano sin ti), mas sempre conheci os projetos do cantor desde o seu álbum YHLQMDLG, sem contar os feats incríveis que ele sempre fez parte. sempre gostei da forma como ele mistura o reggaeton da forma mais divertida e original possível, mas em “debí tirar más fotos” ele conseguiu se superar.
se você não ouviu ainda, ESCUTE AGORA aqui:
nesse álbum o bad bunny faz um manifesto contra o esquecimento, seja ele o esquecimento emocional ou o esquecimento político, e acredite ou não, os dois processos estão extremamente conectados um com o outro. traduzindo o nome do álbum pro português “devia tirar mais fotos” traz um tributo lindo à identidade porto-riquenha e uma prova de amor que o cantor tem pelo seu local de origem.
acho que pra esse texto fazer sentido primeiro precisamos falar de porto rico, o personagem principal do novo álbum do bad bunny.
porto rico é um território autônomo pertencente aos estados unidos (sempre eles) ,ou seja, as pessoas de porto rico também são consideradas cidadãs americanas, e o território também segue as leis e os regimentos do governo dos eua. no entanto, muitos dos cidadãos porto-riquenhos não tem direito a votar, e o arquipélago não tem representantes no congresso americano, o que significa que os políticos que tomam decisões sobre porto rico não moram no território, e muitos políticos associados ao presidente eleito donald trump acreditam que porto rico seja só uma “ilha cheia de lixo”. sim, essas foram palavras ditas por eles.
porto rico não é considerado um estado. porto rico é um arquipélago que foi colonizado pela espanha e se tornou um ponto estratégico no caribe, tanto militar quanto economicamente. foi depois da guerra hispano-americana que a espanha cedeu o território aos eua, e foi em 1952 o território adotou uma nova constituição que deu mais autonomia à ilha, mas, mesmo assim, não foi nada perto de uma independência total.
o território sofre com desigualdades sociais e desastres naturais desde o início de sua história, e existe uma dependência muito forte da economia norte-americana. apesar disso tudo, porto rico permanece preservando sua cultura e sua identidade afro-caribenha.
o bad bunny lança — mais uma vez — um álbum inteiro cantado em espanhol porto-riquenho. o espanhol de porto rico carrega muitas gírias próprias, devido à influência de línguas indígenas e africanas durante o contexto de colonização. através disso, o cantor mostra que a língua não é apenas um meio de comunicação, mas uma arma política. enquanto os eua se esforçam para apagar a identidade porto-riquenha, negando a autonomia da ilha, bad bunny recusa isso. “debí tirar más fotos” conta uma história de luta, sobrevivência e orgulho, de um povo que continua a resistir.
pra bad bunny, a memória é uma fonte de inspiração que permite que a riqueza musical da ilha seja preservada e compartilhada com o mundo. assim como tiramos fotos quando queremos registrar um momento pra sempre, bad bunny fez esse álbum em forma de protesto, para que os problemas da ilha não caiam no esquecimento, e pra que a memória porto-riquenha seja respeitada e guardada para sempre.
eu poderia citar todas as músicas aqui, mas talvez a faixa mais “política” seja a “lo que le pasó a hawaii”:
aqui o artista afirma que não quer que aconteça com porto rico o mesmo que aconteceu com o havaí, outro arquipélago vítima do imperialismo americano e do turismo desenfreado, que está prestes a fazer desaparecer as culturas locais a ponto de tornar o território irreconhecível.
“No quería irse pa' Orlando, pero el corrupto lo echó”
Não queria ir pra Orlando, mas o corrupto o expulsou
eu amei esse trecho porque aqui ele fala do quanto os porto riquenhos muitas vezes são obrigados a imigrar pros estados unidos devido, principalmente, à exploração dos recursos naturais da ilha. muitos são expulsos de suas casas, de seus locais de origem, e são obrigados a ir viver num território que não respeita e não se importa com a cultura porto-riquenha. um território que não respeita a memória da ilha. ele fala mais no refrão:
“Quieren quitarme el río y también la playa
Quieren el barrio mío y que tus hijos se vayan
No, no suelte' la bandera ni olvide' el lelolai
Que no quiero que hagan contigo lo que le pasó a Hawái”
Querem tirar meu rio e também minha praia
Querem meu bairro e que a vovó vá embora
Não, não solte a bandeira, nem esqueça o lelolai
Porque não quero que façam com você o que aconteceu com o Havaí
isso aqui é a história da américa latina. o assunto privatização das praias há pouquíssimo tempo foi capa de matérias jornalísticas no país que a gente vive, o mesmo acontece em porto rico. aqui o bad bunny pede pra que não soltem a bandeira, ou seja, pra que os cidadãos porto riquenhos não abandonem essa luta e ao mesmo tempo não esqueçam da cultura da ilha, que é a principal razão pra existência dessa força de resistência porto riquenha.
uma vez eu vi uma entrevista do diretor de cidade de deus, fernando meirelles, numa mesa redonda junto com scorsese e mais outros diretores incríveis. meirelles afirma que quando ele fala “mango tree” — em inglês — significa só uma árvore qualquer, mas quando ele fala “mangueira”, em português, ele lembra da mãe, ele lembra de sua infância.
acho que o álbum do bad bunny sintetiza tudo isso, sintetiza essa necessidade de manter viva a memória latino-americana, a língua latina, a cultura porto riquenha e latino americana. sentimos na nossa língua, nas nossas gírias, com nossos termos. e precisamos manter isso o mais vivo possível pra continuarmos.
o álbum tá lotado de coisas incríveis. eu poderia escrever um texto de 5000 páginas sobre ele. os ritmos latinos, a salsa, o reggaeton, os samples de músicas antigas latinas. a capa que só a gente entendeu. tudo é perfeito.
a verdade é que esse álbum mexeu comigo num lugar muito especial. e eu precisava falar sobre isso.
'Tás escuchando música de Puerto Rico, cabrón
Nosotro' nos criamo' escuchando y cantando esto
En los caserío', en los barrio'
Dile que esta es mi casa, donde nació mi abuelo
De aquí, nadie me saca, de aquí, yo no me muevo
Yo soy de P fuckin' R
Note: trouxe um texto mais diferente dessa vez porque eu juro que foi preciso, esse álbum não sai do meu fone de ouvido desde que ele lançou, e espero que vocês tenham escurado e amado assim como eu!! <3
Voltei aqui pra dizer que seu artigo foi tão bom que fui escutar o álbum todo e que OBRA DE ARTE. Vc me influenciou muito, parabéns ❤
sei que não foi sua intenção, mas me convenceu a ouvir o álbum com um único post!